Em abril estive no Rio de Janeiro e, em uma das noites, fui a um concerto de membros da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro: obras de Bach, Vivaldi e Biber. Quando ouvi a “Battalia”, deste último compositor, decidi imediatamente que seria o próximo Compartilhamento Musical e agora estou cumprindo a intenção!
Eu já tinha ouvido essa obra em um vídeo e achei interessantíssima, mas ‘ao vivo’ foi extraordinário! E os músicos da UFRJ estão de parabéns!
Abaixo procuro resumir algumas informações sobre essa obra curiosíssima, o que credito a um artigo de Abgar Renault Neto. Vale à pena dar uma lida com calma e acompanhar o vídeo depois.
Heinrich Ignaz Franz Biber von Bibern (1644 – 1704) escreveu esta peça em 1673. A obra, em oito pequenos movimentos, é um perfeito exemplo de música programática, ou seja, uma narrativa, descrição de cenas e de personagens estruturando um roteiro:
Primeiro movimento: Uma fanfarra conclamatória: um exército chega a uma vila e conclama seus moradores “À batalha!”. Durante o movimento, pode-se perceber tanto uma entusiasmada resposta afirmativa, quanto um breve momento de dúvida. Na partitura, pede-se que os intérpretes percutam col legno as laterais dos instrumentos para imitar os passos dos soldados.
Segundo movimento: Leva por subtítulo “A Torpe Sociedade Do Humor Comum”. Aqui, os mosqueteiros bêbados, cada um, entoa uma melodia diferente ao mesmo tempo. As oito canções, de várias partes da Europa, tecem uma colcha de retalhos politonal. As melodias têm início em compassos e pulsos diferentes. A intenção é promover ao máximo a defasagem entre as vozes, retratando o comportamento dissoluto desses mercenários.
Terceiro movimento: Elegantes estocadas de floretes, onde o pizzicato (quando a corda do instrumento é percutida pelos dedos em vez de friccionada pelo arco) seria o tilintar das lâminas numa educada e inofensiva disputa de esgrima entre cavalheiros (certamente não mais os mosqueteiros do movimento anterior).
Quarto movimento: Tem o título “A Marcha”. Aqui, o violino e o violone (baixo) imitam, respectivamente, um flautim e um tambor, combinação típica do campo de batalha. Biber dá instruções para que se ponha uma folha de papel entre as cordas do instrumento que faz o baixo, para imitar essa sonoridade.
Quinto movimento: Único movimento ternário, com figuras pontuadas, produzindo a sensação do movimento de uma cavalgada. Aqui, pode-se re-encontrar os “galantes esgrimistas” em contraste com a dissoluta cacofonia do segundo movimento. Percebe-se também o contraste entre a rudeza do andamento da marcha (quarto movimento) e o elegante saltitar da cavalgada. Trata-se de dois grupos de indivíduos, duas classes sociais distintas: De um lado, nobres cavaleiros ou outros cidadãos de posse; de outro, a ralé das fileiras da infantaria a pé, formada pelos mercenários apátridas, rudes e pouco confiáveis, provavelmente complementada por camponeses sem outra opção.
Sexto movimento: Representa a despedida entre os soldados e suas famílias. Apesar de ter sido escrito em Ré Maior, Biber utiliza recursos diversos de modo a retratar melancolia. As frases parecem lamentosas, entrecortadas por soluços. Para Abgar Renault Neto, trata-se do Ré Maior mais triste da História...
Sétimo movimento: “A Batalha”. Há uma palpitante pulsação durante todo o movimento, que sugere a inquietação do campo de batalha. Paralelamente, os violones seguem energicamente as instruções de Biber: “a batalha não deve ser tocada com o arco, mas com os dedos da mão direita, estalando com força a corda como um fragoroso tiro de canhão.” Os tiros se intensificam, conduzindo a batalha ao seu arrebatador e abrupto desfecho, na mínima final.
Oitavo movimento: “O Lamento Dos Mosqueteiros Feridos” Os soldados feridos lamentam-se amargamente, afetos sugeridos pela harmonia, a mais complexa de toda a obra. As dissonâncias sugerem dor e destruição ao redor. Os sentimentos são conflitantes: os soldados tentam, em vão, resgatar a alegria e a euforia que os iludiu desde o início (tema da conclamação transformado em lamento, fúnebre). Um breve e dramático lamento se perde em meio às vozes que, por fim, se calam.
Quem nos brinda hoje com sua empolgação é Jean-Christophe Spinosi e seu Ensemble Matheus. Aumente o volume e: À batalha!
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Abraço,
Renato