No Natal do ano passado compartilhei a empolgante abertura do Oratório de Natal de Johann Sebastian Bach, BWV 248. Neste ano, continuaremos com a mesma obra. Desta vez, estou postando um trecho da segunda cantata do Oratório, que descreve a anunciação dos anjos aos pastores. Escolhi a abertura instrumental, uma “sinfonia” pastoral, na qual os oboés d’amore e os oboés da caccia fazem parte de uma orquestração que simboliza os pastores nos campos guardando seus rebanhos. A música é uma espécie de prelúdio para a anunciação dos anjos em seguida: “...é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor.” (Lucas 2.11)
Já disse em outros CMs que gosto de ter a liberdade de visualizar coisas na música. Antes de ler a respeito da instrumentação desta “sinfonia” e de sua finalidade, sempre a ouvi com uma interpretação pessoal bem peculiar - como uma canção de ninar para o menino Jesus. Seu ritmo “ternário” (tecnicamente, é 12/8) sempre me pareceu embalar o sono do Rei na manjedoura. Ao mesmo tempo, dentro desta interpretação bem diferente, essa não é uma canção de ninar convencional: A música chega a ter graus de tensão que me projetam para o ministério de Cristo na sua paixão... Em outras palavras, em alguns momentos (um leve mistério em 0:53, que vai se desenvolvendo aqui acolá e tem clímax de tensão entre 2:55 e 3:31), consigo perceber uma espécie de prenúncio da cruz já no berço do Salvador recém chegado ao nosso mundo.
Aproveitem esse trecho belíssimo na interpretação de Nikolaus Harnoncourt regendo a Concertus Musicus Wien.
Grande abraço!
Renato
P.S.: Para os mais curiosos, percebam os dois tipos de oboé que Bach escolheu para orquestrar esse trecho. Em 0:43, você pode ver os oboés do tipo d’amore (do amor), um pouco maior e com um timbre mais suave que o do oboé comum. Em 3:52, há um trecho significativo em que aparecem os oboés do tipo da caccia (da caça). Os oboés da caccia desapareceram de circulação após o período barroco. Tudo indica que apenas dois sobreviveram e que foram usados para reconstruir o instrumento na década de 70, quando o próprio Nikolaus Harnoncourt, juntamente com Gustav Leonhardt e outros, encabeçava o movimento de música com instrumentos autênticos. Segundo li, Harnoncourt encomendou oboés da caccia para sua primeira gravação do Oratório de Natal em 1973.
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