08/09/2016

Compartilhamento Musical 55

(Pintura: Margaret Dicksee - Handel "pego em flagrante"
por seus pais ao estudar cravo à noite )

Oi, gente!

Fico sempre muito impressionado com iniciativas educacionais envolvendo crianças e arte. Em janeiro de 1998 estive na Europa e entrei em um museu onde a professora fazia perguntas a crianças bem pequenininhas sentadas diante a uma enorme pintura impressionista. Ela perguntava o que elas viam naquele quadro - uma série de vapores que sugeriam um trem. Não entendi bem o que as crianças disseram, mas o rico exercício de exposição à arte e à imaginação me deixou até emocionado à época. Penso que coisas assim deveriam acontecer mais e lamento muito não ser assim no lugar onde moro.

Recentemente, visitando o site do All of Bach (ou “Tudo de Bach” – ver post CM 53), vi outra vez o duo criança-arte e novamente fiquei impressionado e suspirando. Um dos pilares do projeto All of Bach é gravar cada obra de Bach no contexto mais coerente possível com o que se sabe hoje sobre performance histórica. Por exemplo: Se Bach escreveu uma peça sacra para grande orquestra e coro, eles a gravam numa igreja com vários músicos para criar uma atmosfera de grandiosidade; se a obra é uma suíte para um instrumento sem acompanhamento, eles a gravam na sala de estar do músico, para prover a atmosfera íntima, etc. Pois me impressionei com essa coerência quando resolveram gravar as Invenções de Bach, que são obras didáticas, com ALUNOS!

Os holandeses do projeto selecionaram estudantes de piano, dentre crianças e adolescentes, e cada um ficou responsável por uma ou mais invenções de Bach. Como estavam acostumados apenas com o piano moderno, receberam aulas básicas de cravo com especialistas no instrumento. Três meses depois, o projeto se encerrou com um recital das 15 que chamamos aqui no Brasil de “Invenções a Duas Vozes”.

Assistindo aos bastidores do projeto no site, foi muito agradável ver o envolvimento dos pais, tanto encorajando os filhos quanto compartilhando reações de descoberta do repertório e do inusitado instrumento musical. (Se você não conhece o cravo, leia o post CM 30).Que maravilha ouvir essas crianças tocando a obra de Bach! Já ouvi gravações em piano e em cravo feitas por profissionais com anos de estrada, mas há algo de precioso ao ouvir esses jovens iniciantes abordando esse repertório.

Em vez de explicar o que é uma invenção, vou deixar que os próprios alunos façam isso. (Peço desculpas por qualquer imperfeição técnica nos vídeos legendados; os vídeos com as performances estão com qualidade melhor.)



O QUE SÃO AS INVENÇÕES DE BACH?

Eles também compartilham seu estranhamento com o cravo estando acostumados apenas com o piano.


O QUE É UM CRAVO?

Agora, vamos à musica! Selecionei 4 invenções. Espero que vocês gostem tanto quanto eu gostei. Quem quiser mais, o recital está disponível na íntegra, bem como os bastidores (em inglês), em www.allofbach.com.


Invenção No. 1, em dó maior
Anna Kuvshinov (9 anos)

Invenção No. 4, em ré menor
Kanji Daito (10 anos)

 Invenção No. 15, em si menor
Domonkos Hegyi (11 anos)

 
Invenção No. 8, em fá maior
Frank Monster (15 anos) 
Deixe seu comentário.

Abraço,
Renato

01/08/2016

XIII Semana de Música Sacra (SBRC)


Concerto "Prelúdio para a Glória", encerrando as atividades da
XIII Semana de Música Sacra no Seminário Batista do Cariri

(Foto: Joshua Huang)

Oi, gente!

Entre 5 e 10 de julho ocorreu no Crato a XIII Semana de Música Sacra no Seminário Batista do Cariri, com o tema: “Prelúdio para a Glória”, com músicas centradas em passagens das Escrituras acerca de Cristo, sua 2ª vinda e o futuro dos crentes em glória junto a Deus na eternidade. Dentro da vasta programação de oficinas, ensaios e cultos, foram apresentadas quatro sessões de Compartilhamento Musical. Neste ano, tive a oportunidade de compartilhar a sessão "CompositorAs", que mostrou um pouco do talento de mulheres que se aventuraram no universo da composição desde épocas bem menos favoráveis à participação feminina do que hoje. Também aproveitei a presença de Jeanne Meyer para focar no oboé, instrumento ainda pouco tocado em nosso contexto regional. Além disso, abordamos a tradição inglesa de cânticos natalinos, os chamados Christmas Carols. A última sessão, como de costume, foi um recital com os professores da Semana de Música Sacra. O recital foi de natureza didática e contou com os comentários da Profa. Karine Teles Alves.


 QUARTO RECITAL DE PROFESSORES
(da esq. para a dir.): Eduardo Linzmayer, Jeane Haworth,
Raimundo R. da Silva Neto, Joy Beth R. da Silva, Jeanne Meyer, eu,
Emiliano Gomes Freitas, Daniel de Sá, Seth Peterson, Deanna Peterson,
Elizabeth Willson e Profa. Karine Teles Alves
 (Foto: Gisele Lourenço)

Fiquei muito feliz com este evento. O repertório incluiu pela primeira vez uma peça renascentista e envolveu 12 colegas, recorde que me alegrou bastante. Neste ano consegui perceber, de forma ainda mais clara que nos anos anteriores, que o trabalho de formação de plateia do CM tem indicado alguns dos efeitos que eu sempre tive em mente desde o início. Notei isso pelos comentários dos jovens que participaram da "Semana". Um dizia que gostaria de começar a estudar instrumento tal após ouvi-lo no recital; outro comentava como ouvir uma obra bem executada o motivou a melhorar sua prática musical. Este foi o programa que apresentamos:


Alfonso Ferrabosco II (o Jovem)
Greenwich, Inglaterra, 1575 – 1628)
Four-Note Pavan / A Hymn to God the Father - “Hear me, O God”

  Deanna Peterson – soprano
  Quarteto de flautas doces:
    Elizabeth Willson
    Emiliano Gomes Freitas
    Daniel de Sá
    Renato Costa

Antonio Vivaldi (Veneza, Italia, 1678 – Viena, Austria, 1741)
Gloria, RV 589

VI – Domine Deus
  Joy Beth R. da Silva – soprano
  Jeanne Meyer – oboé
  Renato Costa – baixo contínuo (piano)
  Emiliano Gomes Freitas – baixo contínuo (flauta doce baixo)

Johann Mattheson (Hamburgo, Alemanha, 1681 – 1764)
Sonata Op. 1 No. 9

I – Poco Allegro
II – Fugue
III – Air - Adagio
IV – Menuet
  Jeanne Meyer – oboé
  Eduardo Linzmayer – violino
  Renato Costa – flauta doce

Johann Sebastian Bach
(Eisenach, Alemanha, 1685 – Leipzig, Alemanha, 1750)
Partita No. 3 para Violino solo, BWV 1006

I – Preludio
II – Loure
III – Gavotte en Rondeau
IV – Menuett I
V – Menuett II
VI – Bourrée
VII – Gigue
  Eduardo Linzmayer – violino

Wolfgang Amadeus Mozart
(Salzburgo, Áustria, 1756 – Viena, Áustria, 1791)
Concerto para Flauta e Orquestra No. 2, K. 314/285d

II – Andante ma non troppo
  Daniel de Sá – flauta
  Renato Costa – redução de orquestra (piano)

Felix Mendelssohn-Bartholdy
(Hamburgo , Alemanha, 1809 – Leipzig, Alemanha, 1847)
Oratório Paulus, Op. 36
Duetto – Denn also hat uns der Herr geboten

  Seth Peterson – tenor
  Raimundo R da Silva Neto – baixo
  Deanna Peterson – redução de orquestra (piano)

Robert Schumann
(Zwickau, Alemanha, 1810 – Endenich/Bohn, Alemanha, 1856)
Romance Op. 94

No. 1 – Nicht schnell
  Emiliano Gomes Freitas – flauta
  Seth Peterson – piano

Clara Schumann
(Leipzig, Alemanha, 1819 – Frankfurt, Alemanha, 1896)
Romance Op. 22

No. 1 – Andante molto
  Eduardo Linzmayer – violino
  Seth Peterson – piano

Heitor Villa-Lobos (Rio de Janeiro, 1887 – 1959)
Improviso No. 7 para Violino e Piano

  Eduardo Linzmayer – violino
  Renato Costa – piano

On Christmas Night (“Sussex Carol”)
Carol Tradicional Inglês
Baseada em arranjo de Philip Ledger (Reino Unido, 1937 – 2012)

  Deanna Peterson – soprano
  Joy Beth R. da Silva – contralto
  Seth Peterson – tenor
  Raimundo R da Silva Neto – baixo
  Jean Haworth – piano

Pela primeira vez, conseguimos filmar o recital e apresentamos aqui um vídeo com trechos de cada momento.
 

 

Abraço,
Renato

08/05/2016

Compartilhamento Musical 54

Johann Nikolaus Graf de la Fontaine und d’Harnoncourt-Unverzagt
(6 de dezembro de 1929 – 5 de março de 2016)

Oi, gente!

Foi com tristeza que li, há algumas semanas, a notícia do falecimento de Nikolaus Harnoncourt, maestro de quem gosto muito, respeitadíssimo, e que tem uma "história comigo". Aqueles que me são menos íntimos provavelmente não terão interesse no foco desta postagem, pois decidi hoje aproveitar a informalidade do Blog e simplesmente compartilhar meu momento com Harnoncourt - a tal "história com ele". A esses, peço licença e recomendo que saltem para o parágrafo imediatamente anterior ao vídeo e aproveitem a arte desse grande músico. Aos mais íntimos, dentre os que gostam de me ouvir contar histórias, simplesmente prossigam...

A primeira vez que fiquei fora do Brasil foi entre 28 de dezembro de 1997 e 25 de janeiro de 1998. Foi um roteiro que fiz pela Europa com um amigo, Glauco Vieira Fernandes. Nossa "mochilagem" teve o caminho pautado por nosso gosto mútuo pela boa música. Visitamos lugares que têm a ver com Vivaldi, Mozart, Beethoven, Bach e alguns outros. Em Berlim, no meio dos corredores escuros que lá encontramos, um cartaz, dentre os muitos fixados nas paredes, anunciava Nikolaus Harnoncourt regendo as 4ª e 5ª sinfonias de Beethoven, nada mais nada menos que com a Orquestra Filarmônica de Berlim! Mudamos nosso roteiro para acomodar nossa presença nesse concerto que, até hoje, não me sai da memória.


Sábado, 10 de janeiro de 1998,
em frente à entrada da Filarmônica de Berlim

E ali estávamos eu e meu amigo na Grande Sala da Filarmônica de Berlim, que tantas vezes eu havia visto em vídeos na televisão. Agora era pra valer! Eu estava lá! Depois de me beliscar algumas vezes, a primeira coisa que me impressionou foi a arquitetura da sala. Quem vê apenas os vídeos só tem mesmo uma pequena ideia do que é aquilo! E o local em que sentamos foi especial. Eu não sabia que, em concertos nos quais não há participação de um coro, os assentos logo atrás da orquestra costumam ser vendidos. E foi lá, nos bancos dos coralistas, que sentamos. Vimos todas as costas dos músicos, mas foi um privilégio perceber o conduzir musical de Harnoncourt!


Esta era exatamente a visão que tivemos da orquestra.
Tirei esta foto no fim do concerto, após a orquestra ter saído;
Harnoncourt ainda voltava para ser aplaudido incessantemente.
Se você clicar na foto, talvez possa vê-lo de frente para a plateia.

Meu amigo havia levado consigo um gravador de micro-fitas cassete e gravou trechos de nossa viagem durante todo o roteiro. Resgatei as cópias das fitas que tenho enterradas em casa e postei aqui dois trechos daquela noite. Por mais chiadas que sejam essas gravações, são parte de minha "história com Harnoncourt". A primeira sequência é uma edição do que Glauco gravou quando a orquestra afinava os instrumentos e também a entrada do maestro em meio aos aplausos, seguidos pelo silêncio e o início do concerto. Aliás, foi isso a segunda coisa que me impressionou naquela sala – o som entre os aplausos e o início da música – a acústica... O silêncio fazia barulho ali! Até então eu nunca havia ido a um concerto dessa envergadura numa sala tão grande. Não se ouvia praticamente nada e lembro-me de que isso foi uma sensação estranha e impressionante! Depois de um pouco desse silêncio, Harnoncourt começou a 4ª Sinfonia de Beethoven.


10/01/98 na Filarmônica de Berlim
O tal silêncio acontece pela primeira vez entre 0:28 e 0:42

Quem conhece a "Quarta", sabe que Beethoven faz uma longa introdução. Fiz uma edição que mostra a saída dessa introdução e a transição para as primeiras explosões orquestrais que seguem na obra. O tal silêncio de que falei acima voltava junto às pausas de Beethoven, e foi quando na vida eu comecei a ter outra visão sobre o papel de pausas em uma música. Teria sido difícil eu ter esse insight se não fosse aquela maravilhosa acústica! Confira este segundo trecho e imagine este pobre coitado assombrado com a experiência nova de uma grande música sendo tocada do jeito que é pra ser:


10/01/98 na Filarmônica de Berlim
Imagine como quase pulei da cadeira a partir de 0:20!
Felizmente, ainda me restava um pouco de sanidade...

Ao final do concerto, extasiados, tivemos a ideia louca de seguir o maestro até o camarim. Sem muita vergonha na cara, entramos lá e, atravessando um punhado de gente, dirigimo-nos ao maestro. Parabenizei-lhe em inglês, algo como: "Somos do Brasil e foi uma maravilha o concerto!", ao que ele respondeu, apertando minha mão: "Os músicos dessa orquestra são impressionantes, não acha?", e após o qual ele me deu um autógrafo:


Talento, humildade e simpatia:
combinação meio rara entre os grandes...

Saudades!

Fiquem com um trecho do Harnoncourt anos depois dessa minha "história com ele". O vídeo é de 2014 e ele rege sua própria orquestra, a Concertus Musicus Wien, que ele fundou e que o acompanhou até o fim. Eles interpretam o último movimento da última sinfonia de Mozart, a de No. 41, apelidada de "Júpiter". (A senhora violinista de cabelos alvíssimos, envolta em um xale vermelho, à esquerda do maestro, é sua esposa, Alice Harnoncourt.)


Quem quiser checar mais vídeos do Harnoncourt aqui no Blog, visite os posts CM 8 e CM 17.

Abraço,
Renato
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10/02/2016

Compartilhamento Musical 53

Oi, gente!

Descobri um novo site sobre Bach. Em janeiro, um amigo perguntou: “Você já foi no All of Bach?”, que, em inglês, quer dizer  “Tudo de Bach”. Ora, vocês já sabem que, para mim, basta dizer “Bach” para conseguir minha atenção. Se disser "Tudo de Bach”, você consegue minha atenção por um tempo bem maior...

É um projeto da Sociedade Bach da Holanda que pretende festejar seus 100 anos de existência (que farão em 2021-2022) gravando toda a obra de Bach e a disponibilizando em um formato acessível – vídeo online, gratuitamente. O projeto se iniciou em setembro de 2013 e começou a publicar os vídeos em maio de 2014. Desde então, toda sexta-feira é dia de postarem novas gravações. Mas não são apenas as obras que são postadas, há vídeos de entrevistas com os músicos, informações sobre a obra e até um fórum, onde você pode compartilhar sua reação após ouvir a música. Tudo está disponível em inglês ou holandês. Segundo Jos van Veldhoven, diretor artístico:


“Desta forma podemos envolver as pessoas no modo em que nós trabalhamos e permiti-las descobrir como fazer soar o som de Bach. É um presente para o mundo. [grifo meu] Porque quer você esteja na Coréia praticando o Minueto em sol menor pela primeira vez, ou viva em Appingedam e esteja fascinado por fugas em quatro vozes, você estará distante apenas a uns poucos cliques de mouse da informação que está procurando.”

Hoje compartilho o Concerto de Brandemburgo 4 publicado pelo site (http://allofbach.com/en/). Em um concerto, há um (ou mais) instrumento(s) que dialoga(m) com o restante da orquestra (ver CM 11). No caso deste concerto, são três os instrumentos que compõem o concertino: duas flautas doces e um violino, mas o curioso é que nem sempre eles estão no papel de solista. Há horas em que claramente se percebe que as flautas doces estão no comando (Heiko ter Schegget e Benny Aghassi); há horas em que estão apenas acompanhando. Há uma hora em que o violino (Shunske Sato) “rouba a cena”; há horas em que é simplesmente “mais um”. Note também que, nesta interpretação, o dirigente (o violinista) escolheu um músico por parte, ou seja, em vez de vários músicos tocarem a parte do violino 1, há apenas um, como há apenas um para o violino 2, apenas um para a viola, etc. Acho que dava para fazer um belo som também com um pouco mais de músicos, mas definitivamente eles me convenceram!

Fiquei impressionado com a qualidade musical da interpretação! Como de praxe entre eles, estão tocando com instrumentos de época (ou réplicas) e buscam aplicar uma técnica de performance musical informada por pesquisas históricas. Meu professor de flauta doce estudou na Holanda e assistir esse vídeo é como ouvir suas considerações sobre fraseado e articulação. Que escolhas bem acertadas as desse grupo de músicos! Aproveite o vídeo e, digo sem receio de perder meu público para a “concorrência”: Vá ao site e o aproveite também!



Como é costume aqui no blog, compartilho quando adquiro nova flauta.



Esta é uma contralto da fábrica alemã Moeck, afinada em 442 Hz e feita na madeira grenadilha. É uma estrangeira que ganhei em novembro passado e que ainda está se adaptando ao clima de nossa terrinha.

Abraço,
Renato
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