08/05/2016

Compartilhamento Musical 54

Johann Nikolaus Graf de la Fontaine und d’Harnoncourt-Unverzagt
(6 de dezembro de 1929 – 5 de março de 2016)

Oi, gente!

Foi com tristeza que li, há algumas semanas, a notícia do falecimento de Nikolaus Harnoncourt, maestro de quem gosto muito, respeitadíssimo, e que tem uma "história comigo". Aqueles que me são menos íntimos provavelmente não terão interesse no foco desta postagem, pois decidi hoje aproveitar a informalidade do Blog e simplesmente compartilhar meu momento com Harnoncourt - a tal "história com ele". A esses, peço licença e recomendo que saltem para o parágrafo imediatamente anterior ao vídeo e aproveitem a arte desse grande músico. Aos mais íntimos, dentre os que gostam de me ouvir contar histórias, simplesmente prossigam...

A primeira vez que fiquei fora do Brasil foi entre 28 de dezembro de 1997 e 25 de janeiro de 1998. Foi um roteiro que fiz pela Europa com um amigo, Glauco Vieira Fernandes. Nossa "mochilagem" teve o caminho pautado por nosso gosto mútuo pela boa música. Visitamos lugares que têm a ver com Vivaldi, Mozart, Beethoven, Bach e alguns outros. Em Berlim, no meio dos corredores escuros que lá encontramos, um cartaz, dentre os muitos fixados nas paredes, anunciava Nikolaus Harnoncourt regendo as 4ª e 5ª sinfonias de Beethoven, nada mais nada menos que com a Orquestra Filarmônica de Berlim! Mudamos nosso roteiro para acomodar nossa presença nesse concerto que, até hoje, não me sai da memória.


Sábado, 10 de janeiro de 1998,
em frente à entrada da Filarmônica de Berlim

E ali estávamos eu e meu amigo na Grande Sala da Filarmônica de Berlim, que tantas vezes eu havia visto em vídeos na televisão. Agora era pra valer! Eu estava lá! Depois de me beliscar algumas vezes, a primeira coisa que me impressionou foi a arquitetura da sala. Quem vê apenas os vídeos só tem mesmo uma pequena ideia do que é aquilo! E o local em que sentamos foi especial. Eu não sabia que, em concertos nos quais não há participação de um coro, os assentos logo atrás da orquestra costumam ser vendidos. E foi lá, nos bancos dos coralistas, que sentamos. Vimos todas as costas dos músicos, mas foi um privilégio perceber o conduzir musical de Harnoncourt!


Esta era exatamente a visão que tivemos da orquestra.
Tirei esta foto no fim do concerto, após a orquestra ter saído;
Harnoncourt ainda voltava para ser aplaudido incessantemente.
Se você clicar na foto, talvez possa vê-lo de frente para a plateia.

Meu amigo havia levado consigo um gravador de micro-fitas cassete e gravou trechos de nossa viagem durante todo o roteiro. Resgatei as cópias das fitas que tenho enterradas em casa e postei aqui dois trechos daquela noite. Por mais chiadas que sejam essas gravações, são parte de minha "história com Harnoncourt". A primeira sequência é uma edição do que Glauco gravou quando a orquestra afinava os instrumentos e também a entrada do maestro em meio aos aplausos, seguidos pelo silêncio e o início do concerto. Aliás, foi isso a segunda coisa que me impressionou naquela sala – o som entre os aplausos e o início da música – a acústica... O silêncio fazia barulho ali! Até então eu nunca havia ido a um concerto dessa envergadura numa sala tão grande. Não se ouvia praticamente nada e lembro-me de que isso foi uma sensação estranha e impressionante! Depois de um pouco desse silêncio, Harnoncourt começou a 4ª Sinfonia de Beethoven.


10/01/98 na Filarmônica de Berlim
O tal silêncio acontece pela primeira vez entre 0:28 e 0:42

Quem conhece a "Quarta", sabe que Beethoven faz uma longa introdução. Fiz uma edição que mostra a saída dessa introdução e a transição para as primeiras explosões orquestrais que seguem na obra. O tal silêncio de que falei acima voltava junto às pausas de Beethoven, e foi quando na vida eu comecei a ter outra visão sobre o papel de pausas em uma música. Teria sido difícil eu ter esse insight se não fosse aquela maravilhosa acústica! Confira este segundo trecho e imagine este pobre coitado assombrado com a experiência nova de uma grande música sendo tocada do jeito que é pra ser:


10/01/98 na Filarmônica de Berlim
Imagine como quase pulei da cadeira a partir de 0:20!
Felizmente, ainda me restava um pouco de sanidade...

Ao final do concerto, extasiados, tivemos a ideia louca de seguir o maestro até o camarim. Sem muita vergonha na cara, entramos lá e, atravessando um punhado de gente, dirigimo-nos ao maestro. Parabenizei-lhe em inglês, algo como: "Somos do Brasil e foi uma maravilha o concerto!", ao que ele respondeu, apertando minha mão: "Os músicos dessa orquestra são impressionantes, não acha?", e após o qual ele me deu um autógrafo:


Talento, humildade e simpatia:
combinação meio rara entre os grandes...

Saudades!

Fiquem com um trecho do Harnoncourt anos depois dessa minha "história com ele". O vídeo é de 2014 e ele rege sua própria orquestra, a Concertus Musicus Wien, que ele fundou e que o acompanhou até o fim. Eles interpretam o último movimento da última sinfonia de Mozart, a de No. 41, apelidada de "Júpiter". (A senhora violinista de cabelos alvíssimos, envolta em um xale vermelho, à esquerda do maestro, é sua esposa, Alice Harnoncourt.)


Quem quiser checar mais vídeos do Harnoncourt aqui no Blog, visite os posts CM 8 e CM 17.

Abraço,
Renato
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2 comentários:

Germano Ribeiro disse...

Fantástico. Obrigado por compartilhar a experiência. Me senti lá com vocês.

violino-hugo disse...

Que inveja santa, cara!
Ele ainda pediu tua opinião sobre os músicos??? Brincadeeeeira!
Humildade de um cara daquele gabarito!