No Compartilhamento Musical 28, sobre Rameau, uma leitora se assombrou com aquele instrumento de teclado que nunca tinha visto nem ouvido: o cravo. Prometi a ela que dedicaria o próximo CM ao instrumento.
Todo mundo sabe reconhecer um piano. No entanto, já é um pouco difícil dizer o mesmo a respeito do cravo, instrumento muito presente na época do Barroco. Pode ser que você veja um e pense que é um piano. Uma diferença importante entre os dois instrumentos é o mecanismo através do qual o som é produzido. As cordas de um piano são percutidas por uma espécie de martelo, que é acionado quando o músico pressiona uma tecla. Já no cravo, as cordas são percutidas após o toque de uma tecla, mas o mecanismo belisca a corda em vez de martelá-la. Uma conseqüência disso tem a ver com dinâmica do som. Enquanto no piano o músico pode obter um som forte ou suave, dependendo da força que aplica sobre a tecla, no cravo obtemos sempre a mesma intensidade, devido à diferença no mecanismo de produção do som. Para suprir essa limitação, alguns cravos têm jogos de cordas diferentes, que associam-se a teclados diferentes num mesmo instrumento. Por exemplo, em um mesmo cravo, podemos obter um som rico e vigoroso usando o teclado principal e, logo acima deste, outro teclado é usado para obterem-se sons mais suaves.
Alguns pensam que o cravo é o antecessor do piano. Eu também sou culpado, pois passei a vida dizendo isso, mas descobri recentemente que não é verdade (História da Música Ocidental – Jean & Brigitte Massin, Editora Nova Fronteira). São apenas primos com um ancestral comum: um instrumento chamado saltério, derivado da harpa, que podia ser arranhado com a unha ou com um plectro (uma espécie de palheta). O piano descende do saltério via um instrumento chamado dulcimer, que era percutido por pequenos martelos. Ao dulcimer acrescentou-se um teclado, com transmissão direta entre a tecla e o martelo. Daí originou-se o pianoforte, em meados do século XVIII. O piano suplantou o cravo porque correspondia a certo tipo de sensibilidade própria ao final do século. O cravo também descende do saltério, mas tem uma linhagem diferente. Vem da espineta, que introduziu um mecanismo ao saltério que lhe arranhava as cordas. No século XVI, da espineta veio o cravo, que também poderia ter um segundo teclado, trazendo a possibilidade de mudança de registro, como descrevemos acima.
Abaixo você pode visualizar os instrumentos que deram origem ao cravo e ao piano. Tratam-se de exemplos, pois cada instrumento pode se apresentar com aparências diversas:
O dulcimer descende do saltério e deu origem ao pianoforte. Por esta foto, obviamente, é difícil perceber isso, pois houve ainda vários estágios entre o instrumento aqui apresentado e o que hoje conhecemos como piano.
A espineta descende do saltério e deu origem ao cravo. Dá até para fazer um exercício de imaginação e tentar 'ver' uma harpa dentro desta espineta.
Hoje ouviremos Ton Koopman interpretando o primeiro dos três movimentos da Tocata BWV 916, em Sol maior, de Johann Sebastian Bach, ao cravo.
Aproveitem!
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Abraço,
Renato