O COMPARTILHAMENTO MUSICAL traz anotações informais sobre vários aspectos da música erudita. Aqui procuro encorajar você a explorar esse universo fascinante e a enriquecer sua experiência musical.
Gostaria de avisar que não teremos Compartilhamento Musical de Natal neste ano, no sentido convencional. Isso é porque eu estou tendo uma oportunidade de assistir alguns concertos na Alemanha e na República Tcheca neste fim de ano, uma experiência fabulosa que estou compartilhando em outro blog. Em janeiro, se Deus quiser, continuo as postagens do Compartilhamento Musical. Enquanto isso, convido você a visitar meu outro compartilhamento:
Hoje quero compartilhar com vocês um concerto para violino e orquestra de Vivaldi. O que escolhi pertence ao Opus 8, do qual também fazem parte os concertos chamados “As Quatro Estações” (que pretendo postar futuramente). Ouviremos o concerto No. 7 (RV 242), dedicado ao violinista alemão Johann Georg Pisendel, que costumava visitar Vivaldi em Veneza.
O concerto tem três movimentos, como de costume no Barroco, alternando entre rápido, lento e rápido. O solista é Enrico Onofri, que é acompanhado pelos sempre animados músicos do Il Giardino Armonico, regidos por Giovanni Antonini.
Confesso de cara: Sou louco pela música de J. S. Bach! Recentemente assisti ao concerto do “Proms” de 2010 dedicado a Bach. O “Bach Day”, com a Royal Philharmonic Orchestra (que eu costumo de chamar de ‘a orquestra da Rainha’), apresentou a música de Bach em arranjos para orquestra sinfônica e também obras inspiradas nas obras de Bach. O vídeo é fantástico e foi difícil resistir à vontade de compartilhar todo o programa de uma vez aqui no blog.
Compartilho hoje um arranjo da famosa Tocata e Fuga em Ré menor, originalmente composta para órgão (Tocata já compartilhada no adendo do CM 7). Aqui, apresento o arranjo feito por Leopold Stokowski para grande orquestra. Talvez os mais nostálgicos vão lembrar do filme “Fantasia”, de 1940, em que o próprio Stokowski rege o seu arranjo de Bach. Apesar de gostar de algumas partes do filme “Fantasia”, prefiro esta interpretação menos afetada de Andrew Litton nessa noite do “Proms” de 2010.
Primeiro, percebam que sala de concertos maravilhosa é a Royal Albert Hall! Durante o vídeo, há algumas panorâmicas da sala, inaugurada em 1871 pela Rainha Victoria, que a dedicou à memória de seu falecido esposo, o Príncipe Albert. (Os mais curiosos assistam ao filme “A Jovem Rainha Victoria”.)
Percebam também o colorido que Stokovski, como arranjador, soube muito bem aproveitar do original para órgão. Tenho a tendência de preferir as obras originais, mas também gosto de elogiar uma orquestração bem feita. E essa certamente é uma!
A tempo: O “Proms” é um festival de música clássica que ocorre em Londres, predominantemente na Royal Albert Hall, com concertos diários durante oito semanas no verão. A tradição se iniciou em 1895. Em 2009, o número de concertos chegou a 100. O evento tem cobertura da BBC.
Gostaria muito de saber o que você achou depois de apreciar a obra. Deixe seu comentário após ver o vídeo.
Hoje gostaria de compartilhar com vocês um instrumento curioso, a Harmônica de Vidro. Para ser bem objetivo, retiro uma explicação da Wikipédia:
“A harmônica de vidro é constituída por um conjunto de taças de vidro semi-esféricas, de vários tamanhos, parcialmente inseridas uma dentro da outra por ordem de tamanho, de modo a fazer uma escala diatônica. Essas taças estão montadas num eixo que atravessa o centro dessas mesmas taças, e encontram-se semi-imersas num recipiente com água. Um sistema de pedal aciona o eixo de modo a que as taças girem no eixo. O instrumento é tocado friccionando os dedos em cada uma das taças umedecidas, uma para cada nota.”
Alguns dos compositores que escreveram para o instrumento foram: Wolfgang Amadeus Mozart, Ludwig van Beethoven, Carl Philipp Emmanuel Bach, Gaetano Donizetti e Richard Strauss.
Hoje quem toca para nós é um dos poucos experts em Harmônica de Vidro, o francês Thomas Bloch, ao visitar o programa de TV de Jean-François Zygel. Ele é acompanhado por Philippe Bernold (flauta), Alexandre Gattet (oboé), Francoise Gneri (viola) and Xavier Phillips (violoncelo).Eles interpretam o Adagio para Quarteto e Harmônica de Vidro K 356 (617a), de Wolfgang Amadeus Mozart. Aproveitem!
Deixe seu comentário após ver o vídeo.
Abraço, Renato
P.S.: Lamento o vídeo estar levemente dessincronizado. Espero que não seja tão perceptível.
O Concerto para Violino, Oboé, cordas e contínuo, BWV 1060R, de Johann Sebastian Bach não existe em sua forma original. Sobrevive até hoje apenas um arranjo que o próprio Bach fez, substituindo os dois instrumentos solistas por dois cravos. A partitura reconstruída que temos hoje veio desse arranjo.
O concerto tem três movimentos, que ouviremos aqui na interpretação do excêntrico Nigel Kennedy, fazendo par com Aisling Casey. Ambos são acompanhados pela Orquestra de Câmara Irlandesa.
O elemento de concerto (ver CM 11) é realizado em duas esferas. Numa, os solistas dialogam entre si, enquanto que, noutra, eles se juntam e conversam com a orquestra. Isso vale pelo menos para os dois movimentos rápidos (o primeiro e o terceiro).
No movimento lento (o segundo), o papel da orquestra é fornecer um pano de fundo para um intrincada troca de perguntas e respostas entre os solistas. Este movimento é, para mim, muito especial. Conheci o concerto por este movimento. Estava na casa de um amigo, que me disse de repente: “Tenho algo para te mostrar.” Fomos a um quarto onde sua família usava como depósito e lá estava um aparelho de som antigo, onde ele colocou um LP para tocar. Limpou a agulha da vitrola com um sopro e pôs o segundo movimento desta obra, que eu nunca tinha ouvido. Em meio à musica e aos charmosíssimos chiados do vinil, fiquei paralisado até o fim. Não tinha como descrever com palavras o que eu sentia. O diálogo entre o violino e o oboé era uma coisa muito linda e profunda. A orquestra acompanhando em pizzicato dava uma atmosfera de grandeza e ao mesmo tempo de intimidade ao momento musical. Nunca vou me esquecer da primeira vez que ouvi isso.
O concerto termina com outro movimento rápido, bem empolgante. Na minha opinião, Kennedy e seu grupo tocam mais rápido do que deveria ser, mas são coerentes e retratam bem a empolgação do fim da obra. A propósito, Nigel Kennedy ficou famoso na década de 80 justamente por suas idiossincrasias musicais e seu jeito de se portar em público. Mas apesar das diversas críticas que recebeu (e ainda recebe), ele é um músico de primeira!
Deixe seu comentário após ver o vídeo.
Abraço, Renato
P.S.: Uma breve palavra sobre o vídeo escolhido: Embora Kennedy e Casey sejam excelentes músicos e estejam acompanhados de uma excelente orquestra, confesso que prefiro outras gravações e não considero esta interpretação como sendo de referência. Os músicos tocam instrumentos modernos e tenho a tendência de valorizar mais uma interpretação historicamente orientada, com instrumentos (ou cópias) de época, com técnicas barrocas de performance. Isso de forma nenhuma diminui o valor do talento musical do grupo que postei aqui, mas recomendo que vocês ouçam outras gravações. A razão de eu não ter postado outra é a pobre qualidade de som dos vídeos que encontrei. Mesmo assim, dêem uma olhada na excelente performance conduzida por Nikolaus Harnoncourt, gravada em 1984 (links abaixo). No futuro, se eu conseguir material com qualidade de som e imagem melhor, repostarei o concerto com prazer.
No Compartilhamento Musical 28, sobre Rameau, uma leitora se assombrou com aquele instrumento de teclado que nunca tinha visto nem ouvido: o cravo. Prometi a ela que dedicaria o próximo CM ao instrumento.
Todo mundo sabe reconhecer um piano. No entanto, já é um pouco difícil dizer o mesmo a respeito do cravo, instrumento muito presente na época do Barroco. Pode ser que você veja um e pense que é um piano. Uma diferença importante entre os dois instrumentos é o mecanismo através do qual o som é produzido. As cordas de um piano são percutidas por uma espécie de martelo, que é acionado quando o músico pressiona uma tecla. Já no cravo, as cordas são percutidas após o toque de uma tecla, mas o mecanismo belisca a corda em vez de martelá-la. Uma conseqüência disso tem a ver com dinâmica do som. Enquanto no piano o músico pode obter um som forte ou suave, dependendo da força que aplica sobre a tecla, no cravo obtemos sempre a mesma intensidade, devido à diferença no mecanismo de produção do som. Para suprir essa limitação, alguns cravos têm jogos de cordas diferentes, que associam-se a teclados diferentes num mesmo instrumento. Por exemplo, em um mesmo cravo, podemos obter um som rico e vigoroso usando o teclado principal e, logo acima deste, outro teclado é usado para obterem-se sons mais suaves.
Alguns pensam que o cravo é o antecessor do piano. Eu também sou culpado, pois passei a vida dizendo isso, mas descobri recentemente que não é verdade (História da Música Ocidental – Jean & Brigitte Massin, Editora Nova Fronteira). São apenas primos com um ancestral comum: um instrumento chamado saltério, derivado da harpa, que podia ser arranhado com a unha ou com um plectro (uma espécie de palheta). O piano descende do saltério via um instrumento chamado dulcimer, que era percutido por pequenos martelos. Ao dulcimer acrescentou-se um teclado, com transmissão direta entre a tecla e o martelo. Daí originou-se o pianoforte, em meados do século XVIII. O piano suplantou o cravo porque correspondia a certo tipo de sensibilidade própria ao final do século. O cravo também descende do saltério, mas tem uma linhagem diferente. Vem da espineta, que introduziu um mecanismo ao saltério que lhe arranhava as cordas. No século XVI, da espineta veio o cravo, que também poderia ter um segundo teclado, trazendo a possibilidade de mudança de registro, como descrevemos acima.
Abaixo você pode visualizar os instrumentos que deram origem ao cravo e ao piano. Tratam-se de exemplos, pois cada instrumento pode se apresentar com aparências diversas:
Exemplo de harpa
Exemplo de saltério
O dulcimer descende do saltério e deu origem ao pianoforte. Por esta foto, obviamente, é difícil perceber isso, pois houve ainda vários estágios entre o instrumento aqui apresentado e o que hoje conhecemos como piano.
A espineta descende do saltério e deu origem ao cravo. Dá até para fazer um exercício de imaginação e tentar 'ver' uma harpa dentro desta espineta.
Hoje ouviremos Ton Koopman interpretando o primeiro dos três movimentos da Tocata BWV 916, em Sol maior, de Johann Sebastian Bach, ao cravo.